A queda da taxa básica de juros (Selic) produziu uma entrada em massa de novos investidores na B3 (Bolsa de Valores de São Paulo). Em pouco mais de dois anos, cerca de 2 milhões de pessoas passaram a investir em renda variável, como ações, derivativos ou fundos. Esse crescimento é terreno fértil para outro fenômeno que se multiplica nas redes: cursos de day trader com promessas de enriquecimento rápido e sem muito trabalho. São os gurus de investimento que prometem te ensinar como ter lucros mirabolantes, mas atenção: CORRE QUE É CILADA, BINO!
Os cursos prometem ensinar a prática do “day trading”, ou seja, a compra e venda de ações no mesmo dia, lucrando com a diferença dos preços. Nos vídeos de redes sociais como YouTube e Instagram, supostos "gurus" ensinam como ganhar (muito) dinheiro fácil e rápido com a estratégia.
Se você já consumiu algum conteúdo de finanças no YouTube, provavelmente se deparou com anúncios como: "Trabalhe de onde quiser e poucas horas por dia"; "Fique rico e viva seus sonhos"; "R$ 36 mil em 20 minutos". São apenas algumas das promessas e contos que aparecem nas plataformas.
Com um apelo tão forte à facilidade de ganhar dinheiro, visuais modernos e chamativos, e a fragilidade do conhecimento de quem está ingressando no mercado agora, os canais que prometem ensinar a técnica e fazer de você um "day trader" ou um "trader" se proliferam e ganham milhares de seguidores.
As ofertas, primeiramente, são de conteúdos gratuitos, mas logo depois é vendido um curso ou algum outro produto. O youtuber Marcelo Ferreira, dono do canal Fimathe, com 230 mil inscritos, exibe vídeos como "R$ 36 mil em 20 minutos", por exemplo. Ele diz ser contra a ostentação nas redes e afirma que os day traders têm uma "rotina regrada, com muita dedicação, treinos e disciplina".
"Poucas pessoas conseguem viver, de fato, de day trade. A grande maioria dos iniciantes não entra no mercado visando rentabilidade e crescimento de patrimônio. Eles fazem isso incentivados por canais que vendem uma vida fácil de ostentação, quando na verdade, a vida de day trader é o contrário: nós temos que ter uma rotina regrada, com muita dedicação, treino e disciplina. É mais ou menos como um atleta. Não é assim fácil como muitos canais demonstram. Nos meus vídeos do YouTube eu aplico o que acredito, pois eu defendo a ideia de que para ministrar cursos o trader deve realmente viver de mercado. Só alguém que vive de mercado pode compartilhar suas dores e suas vitórias. Não adianta ostentar carros e casas na internet e nunca mostrar seus resultados na bolsa. Eu faço questão de postar minhas operações, saques e tudo que comprove que eu vivo da atuação no mercado financeiro, e faço isso há 20 anos. Em meu canal, falamos muito de gerenciamento de risco e, em todos os meus vídeos, eu deixo claro que um iniciante deve operar no seu tamanho e com gerenciamento. Eu opero valores altos porque meu saldo total é alto, mas o risco que coloco nas minhas ordens nunca passam de 1%. Ou seja, o iniciante deve entender que cada um opera no seu tamanho", declarou Ferreira.
Pessoas caem em golpes por causa da vontade de ficar ricas
Apesar de diversos alertas de especialistas sobre os riscos do day trading, os canais que oferecem conteúdo sobre a estratégia continuam somando milhares de seguidores. Mas, afinal, por que tanta gente se interessa em aprender uma estratégia que envolve altos riscos e a chance de acabar com prejuízos? De acordo com especialistas, são três as principais razões:
1. Falta de conhecimento do mercado
A primeira é, de fato, o desconhecido. Apesar do aumento substancial no número de novos CPFs na Bolsa, entender os motivos do sobe e desce e, principalmente, quais as melhores empresas para investir é um desafio complexo, que requer muito estudo e dedicação. Na falta disso, abre-se caminho a qualquer oferta de conhecimento e a vontade de seguir alguém que afirma conhecer.
Para além da falta de conhecimento, o fato de a grama do vizinho ser sempre mais verde é uma oportunidade para gurus que vendem promessas de riqueza. É fato que a Bolsa ganhou espaço nas rodas de conversas e, também, nas redes sociais. Ver que todo mundo está ganhando dinheiro, menos você, gera uma sensação negativa, frustrante.
2. Técnicas de gamificação
As plataformas e os canais de Youtube também apelam a outra estratégia: a gamificação. Essa variação do marketing usa técnicas comuns aos games em situações fora do jogo. Por isso, além da semelhança do day trading com um jogo nas descargas de prazer, há também uma construção forçada para isso.
Os canais de YouTube, normalmente, são cheios de cores vibrantes e músicas. As plataformas disparam alertas e apelam às facilidades de operação. Nos EUA, por exemplo, a corretora Robinhood vem sendo acusada de banalizar as transações no mercado de valores ao usar técnicas de gamificação entre a geração millennial.
3. Ações, pirâmides, Forex e outros truques
No meio de tanto conteúdo sobre day trading e enriquecimento rápido, é claro que surgem outras ofertas, no mínimo, duvidosas. De acordo com a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que regula o mercado de capitais brasileiro, e a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), os golpes mais comuns são pirâmide financeira, marketing multinível, Forex e operações de criptoativos.
As pirâmides são velhas conhecidas do brasileiro. Considerada crime contra a economia popular (Lei 1.521/51), ainda dão as caras no país. Já os demais têm se aproveitado do desconhecimento do investidor e do apetite ao risco para ganhar mercado.
O mercado de Forex (Foreign Exchange, moedas internacionais) é um dos que mais têm espaço entre os investidores iniciantes que buscam tais cursos. No mercado Forex, há compra de uma moeda e a simultânea venda de outra. Assim, na prática, o investidor não adquire as moedas fisicamente, mas uma relação monetária de troca entre eles.
Outro investimento oferecido são as opções binárias. O termo "binária" refere-se às duas únicas opções que cada investidor tem: alta ou baixa. Na prática, elas não são um investimento, porque não há a compra de um bem ou ativo. São considerados instrumentos financeiros usados pelo investidor para apostar em um resultado, podendo, dessa forma, ganhar ou perder.
Day trade é usado, mas com muito cuidado
Mas, afinal, o que é o day trading ou day trade? A operação consiste em comprar e vender, no mesmo dia, ações, opções e alguns tipos de contratos. O lucro ocorre quando o preço de venda é maior que o preço de compra, descontados os custos de operação, como corretagem. Ou seja, você precisa comprar barato e vender caro. Toda vez.
Não há limite de operações diárias, e o investidor pode comprar e vender até com poucos minutos de intervalo. De acordo com especialistas, o risco das operações é grande. Como se trata de renda variável, o investidor pode perder boa parte ou até mesmo todo o dinheiro investido.
“O day trade pode acontecer se, por acaso, eu estou entrando para fazer uma operação, aí o ativo que comprei sobe muito e muito rápido e eu vendo. Então, ele acontece, mas como operadora eu nunca entro para fazer um day trade. Então, não recomendo a pessoa buscar um curso ou fazer, mas sim operar o mercado de maneira saudável, fazendo gestão de risco. Mas tenha certeza de que não há lucro rápido e não existe vencedor no mercado”, explica Virginia Prestes, professora de finanças da Faap.
Viver de day trade é realmente muito difícil. Uma pesquisa publicada pela FGV (Fundação Getulio Vargas) em 2019, e atualizada em 2020, mostrou que a chance de fazer esse tipo de operação e conseguir obter um salário dela é mínima.
A pesquisa analisou todas as 98.378 pessoas que começaram, no país, a operar na Bolsa via day trade entre 2013 e 2016. A imensa maioria, porém, não obteve êxito. Apenas 0,1% conseguiu ter algum retorno positivo consistente. Do total, apenas 127 indivíduos foram capazes de apresentar lucro bruto diário médio acima de R$ 100 por mais de 300 pregões.
*As informações são do UOL Economia
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